Guardiães do pensamento e do espírito
Discurso do Orador, Dr. Sérgio Monteiro Zan, sobre os 25 anos da ALCG
Há exatos vinte e cinco anos nascia uma pequena célula do culto ao grande organismo universal da linguagem. A Academia de Letras dos Campos Gerais, plantada numa das mais tradicionais e promissoras regiões do Paraná, é hoje, como uma araucária jovem, esta força que se eleva lentamente, mas que, cheia de seiva e vida, se projeta consolidada no seu irreversível futuro.
A língua é o instrumento mais característico e mais nobre da natureza humana. Ela nos distingue, nos impulsiona, nos agiganta às vezes, às vezes nos destrói, tal qual a nossa própria condição de seres pensantes e dotados de livre e irrefreável vontade. Falamos e agimos consoante as nossas necessidades e sentimentos, desde os primeiros balbucios, desde os primeiros signos que vieram povoar e interpretar o nosso esforço no torvelinho desta porção de matéria que nos coube habitar.
E a língua então evolui, de acordo com o nosso compasso, assim como evoluem as nossas ideias e as nossas conquistas. Naturalmente sim, espontaneamente, ao sabor dos tempos e das marés. Assim tem sido, e é assim que sabemos que a língua falada é a manifestação original e livre do ser racional comunicante e portanto a única que independe, embora contenha em si desde os primórdios o germe dum poderoso instrumento, do nosso não menos prodigioso ímpeto criador, artístico, científico, humano.
Então logo começamos a nos expressar em todos os níveis, do breve discurso ao canto elaborado. E a poesia surgiu viva e pujante dentre os sons caóticos, sublimes, da estupefação primeira. Depois, o nosso engenho foi magicamente desenhando a escrita. E criamos imagens, figuras, pictogramas, símbolos e letras. De repente, desde que a floração homérica perfumou o mundo ocidental, fomos capazes de registrar na cera e preservar preciosamente tudo o que viríamos a dizer através das idades, com inflexão renovada.
E a palavra fixa no bronze eternizou a linguagem. E evoluiu também, como tudo afinal. Mas de maneira mais vagarosa, mais pausada, por conta de seu próprio aparato material, como a pedra, o mármore e as cores. E deste modo pôde numa extraordinária persistência conservar e manter os avanços graduais, os triunfos e os fracassos da Arte, da História e da Ciência.
Partes essenciais desse processo todo, somos, os que escrevemos, os guardiães do pensamento e do espírito. E a Academia é um dos inúmeros crisóis que a cultura humana engenhou e que se destinam a conter o licor do verbo iluminado. Quanto a nós, estamos aqui, nesta região de campos e lavouras, intervindo e entreprendendo há um quarto de século. Outros tempos virão, outras fases, outras gentes, outros achados, outras vitórias. E temos sido, nós, os paladinos da palavra sadia, os alicerces sobre que se erguerão sem cessar novos e imperecíveis monumentos. Por tudo isso, pulsando no instante pontual desta celebração e no ímpeto perene das asas da imortalidade acadêmica, esplende orgulhosamente o nosso júbilo. Obrigado.
Sérgio Monteiro Zan nasceu em Ponta Grossa, no dia 24 de novembro de 1948. É filho do Engenheiro Civil Sylvio Luiz Zan e de Lygia Monteiro Zan. O curso de Letras, na Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Ponta Grossa, ocupou-lhe os anos de 1967 a 1970. No mesmo período, começou a lecionar Latim no Regente Feijó, na condição de professor suplementarista substituto. Deixou essa função em 1973, quando, formado e contratado como Auxiliar de Ensino na Faculdade de Filosofia, que agora já fazia parte da nascente Universidade, deslocou-se para o Rio de Janeiro, a fim de iniciar o mestrado, na área de Literatura Portuguesa, na Faculdade de Letras da UFRJ. Em 1984, foi em busca do doutorado na Universidade Estadual Paulista, câmpus de Assis, SP. A tese lhe garantiu o título de Doutor em Letras, área de Filologia e Linguística Portuguesa. Publicou, em 1997, em colaboração com Raul José Sozim, a edição bilíngue dos Temas Rurais do Brasil de José Rodrigues de Melo e Prudêncio do Amaral; e, em 2001, o livro de sonetos As Horas Sonâmbulas, ambos pela editora da UEPG. Tomou posse na Academia de Letras dos Campos Gerais em 2 de junho de 1999, como fundador da cadeira nº 20, em cerimônia realizada no Clube Pontagrossense, sendo recepcionado por Túlio Vargas, Presidente da Academia Paranaense de Letras. Foi presidente da entidade nas gestões 2007 – 2009 e 2009 – 2011. Foi organizador da Biobibliografia da Academia de Letras dos Campos Gerais, em 2015, juntamente com Luísa Cristina dos Santos Fontes e Luiz Fernando Cheres. Em 2023, organizou o livro Saudade sentida – trovas, de Lygia Monteiro Zan, pela Ed. Estúdio Texto. É o orador da atual gestão da ALCG.