O debate quanto à não incidência de impostos sobre a impressão de jornais e livros no Brasil é muito antigo. Remonta aos tempos do Império. Em 1866 o Senador José de Alencar já apresentava projeto de lei para isentar todos os artigos de instrução e imprensa importados. Durante a primeira república não havia previsão na constituição de 1891 quanto ao assunto. Prescreveu-se então que ao congresso cabia animar no país o desenvolvimento das letras, artes e ciências. A discussão repetia-se todos os anos, quando da votação do orçamento federal para o ano seguinte. O debate centrava-se no papel, que era importado em sua quase totalidade.
Monteiro Lobato, em 1926, afirmava que a culpa desse estado de coisas era da rainha Maria I de Portugal que mandara, muitas décadas antes, destruir os prelos no Brasil. Lembrava o escritor, que após esse golpe nos tempos coloniais, outra crise tão grave sofreu o setor livreiro somente em 1918 quando se elevou a taxação do papel.
Note-se que a isenção discutida não era sobre todo e qualquer papel. Somente aquele efetivamente utilizado na impressão de jornais, revistas e livros. Durante o governo de Getúlio Vargas, foi editada norma que previa a isenção do imposto de importação, e demais taxas sobre o papel para a imprensa. Mas, por outro lado, concedida somente a empresas devidamente registradas nos órgãos de controle de conteúdo da ditadura.
Em 1946, finalmente, o assunto chega à esfera constitucional. Mas, ainda se fala em papel, e não em livro. O texto de lei aprovado prescrevia que era proibido lançar impostos sobre o papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros. José Lins do Rego manifestou-se dizendo que a isenção foi a maior vitória dos intelectuais naqueles tempos.
Na verdade, não se tratava mais de uma isenção, que se aplica a casos isolados conforme se preencham determinados requisitos. O novo instituto jurídico era o de uma imunidade tributária. Condição permanente, de alcance geral. A previsão da imunidade tributária na constituição de 1946 foi também uma das bandeiras do deputado mais votado em São Paulo como constituinte, o escritor Jorge Amado.
Em 1967, com a elaboração de uma nova constituição federal, aconteceu uma mudança de ênfase. Decretou-se: é vedado instituir impostos sobre o livro, o jornal, bem como o papel destinado à sua impressão. O livro passa a ter a posição central na questão.
Em 1988, com a promulgação da Constituição da Nova República, aprovou-se que seriam imunes à incidência de qualquer imposto os livros, os jornais, os periódicos e o papel destinado à sua impressão. O livro permanece como o item central na formulação do preceito legal.
Por que teria o papel deixado de ser o centro da discussão? Primeiro: a posição hegemônica dos veículos impressos para a difusão de informações, que teve seu auge nos anos 1920, foi pouco a pouco relativizada com a expansão da radiodifusão a partir da década de 40, e a introdução da televisão, a partir dos anos 60. Em segundo lugar, impostos alfandegários sobre o papel importado, bem como o custo do papel importado em si, perderam a importância na formação do preço de livros, pois a produção nacional de papel, de todas as qualidades, atingiu níveis muito importantes.
Pergunto: é benéfico que o livro, e os demais suportes de circulação da cultura, tenham preços adequados que possibilitem seu consumo a toda a população? Se a resposta é sim, é pernicioso que se tribute o livro, quando os níveis de desigualdade econômica no país são bastante elevados. Diferentemente da tributação do imposto de renda, que se dá por faixas, o tributo sobre o livro será para todos, independentemente do poder de compra.
Qual a previsão de arrecadação para o setor? Haverá um impacto tão positivo na enorme dívida pública brasileira, que se possa arriscar diminuir ainda mais o acesso ao livro? A média de livros lidos por ano pelo brasileiro é de 5 exemplares, enquanto a média mundial está em 10.
Para que se tenha uma ideia, do peso do mercado editorial, em 2019, o setor gerou renda de 5,2 bilhões de reais. Se esse valor estivesse tributado em 10%, haveria um recolhimento de impostos de 520 milhões de reais. A dívida pública do governo federal ultrapassa hoje a casa dos 5 trilhões e duzentos bilhões de reais. A arrecadação sobre os livros, assim, chegaria a 1 décimo-milésimo da dívida (0,01%), isso supondo que essa dívida deixasse de crescer e que os impostos a serem criados fossem de competência somente federal.
Se a imunidade tributária já está garantida à produção do livro desde 1946, há 75 anos, não devemos permitir que deixe de existir sem estudos bem fundados quanto a sua real necessidade e a utilidade de sua revogação. Disse o grande orador Padre Antônio Vieira: “o livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive”. Cuidemos de lutar pela extensão dessa comunicabilidade do livro a todos, sempre e mais.
Nota da secretaria: Ronie Cardoso Filho é o Segundo Ocupante da Cadeira 32 da Academia de Letras dos Campos Gerais.